ARTIGO: A CoNtriBuiÇão dA EtnoGrAfiA PaRa oS eStuDos ArQuEoLógiCoS
Figura: STADEN, Hans. A verdadeira história dos selvagens nus e ferozes devoradores de homens, encontrados no novo mundo, a América, e desconhecidos antes e depois do nascimento de Cristo na terra de Hessen, até os últimos dois anos passados, quando o próprio Hans Staden de Homberg, em Hessen, os conheceu, e agora os traz ao conhecimento do público por meio da impressão deste livro. Rio de Janeiro, Dantes Livraria Editora, 1998.

A CONTRIBUIÇÃO DA ETNOGRAFIA PARA OS ESTUDOS ARQUEOLÓGICOS*


“Os Tapuias levam uma vida nômade, como a dos árabes, conquanto permaneçam sempre mais ou menos numa mesma área, dentro de cujos limites vão mudando de morada, conforme as diferentes estações do ano. Vivem de preferência no mato, alimentando-se de caça, em cuja atividade eles talvez se avantajem aos de qualquer outra nação. Chegam a flechar uma ave em pleno vôo...”.
(NIEUHOF, Joan. 1681).
(NIEUHOF, Joan. 1681).
A inserção da América no mundo até então conhecido pelos ocidentais, causou impactos e adaptações ao conceito de mundo que até então se formara. Com os avanços da colonização européia e a implantação dos sistemas coloniais, a partir do século XV, surgia a necessidade de se conhecer o outro[3], que não o europeu ocidental. Nessa busca por uma identificação surgem os primeiros relatos sobre os habitantes do Novo Mundo e seus costumes. Nesses relatos, em sua maioria feitos por cronistas e viajantes, encontram-se fragmentos de culturas e grupos que se encontravam no continente americano na época das conquistas.
Para que a Europa e seus habitantes tomassem conhecimento acerca das descobertas, foram escritos documentos relatando os aspectos caracterizadores dos habitantes desse território. Na documentação escrita nesse período encontram-se não somente descrições, mas analogias e antinomias[4] produzidas do interesse ideológico construído a partir do contexto histórico do ocidente renascentista. Embora esse momento na história da humanidade viesse a ocasionar mudanças estruturais na cosmologia universal, muitas dessas mudanças já eram esperadas pela consciência renascentista[5]. Mesmo estando preparada, a cosmovisão européia estava vinculada aos contrastes do mundo antigo e sendo assim o continente americano emerge como um campo aberto a projeções, utopias e muitas vezes desilusões.[6]
Os relatos etnográficos[7] das culturas existentes na América no momento da colonização compõem hoje uns dos poucos documentos que retratam os grupos indígenas, e seus costumes. Outros documentos como os vestígios da cultura material também auxiliam nos estudos das populações pretéritas, sendo, muitas vezes, as únicas fontes de informações sobre os grupos humanos do passado. Contudo, se analisadas separadamente, essas fontes não formulam um quadro geral de informações que permita uma abordagem mais ampla, com um maior número de variáveis e menos simplista.
A arqueologia sul-americana tem-se confrontado, desde o início do seu desenvolvimento, no século XIX, com a diversidade de grupos caçador-coletores e agricultores, necessitando assim do acompanhamento dos estudos etnológicos[8] dessas culturas, já que a combinação de escavações, análise da cultura material e documentação etnográfica podem constituir um horizonte de novos questionamentos e respostas mais concisas acerca do passado remoto do homem. (CISNEIROS, 2003).
Na utilização das fontes etnográficas, é importante ressaltar a contextualização das mesmas e de sua utilização na construção de um quadro mais abrangente do período estudado. Entretanto analogias diretas da cultura material com as etnias relatadas não constituem o objetivo desses trabalhos, já que há a diversidade de fatores como a dinâmica e a sistemática das culturas humanas.
A realidade da qual partimos na pesquisa arqueológica é a de se recorrer ao uso de paralelismos etnográficos para se obter respostas aos aspectos materiais e supraculturais ou ideológicos que permitam a formulação de bases lógicas e coerentes para a criação de referenciais próximos. Dentro dessa formulação há ainda uma preocupação com as variáveis (semelhanças e diferenças) utilizadas para a criação de modelos que não pertençam às classificações fixas ou rígidas impostas por uma visão simplista ou até mesmo reducionista da arqueologia.
As analogias simplistas enfrentam problemas como o de negar a possibilidade da existência de uma variedade cultural mais ampla. A problemática desse tipo de abordagem consiste na aplicação da mesma dentro de modelos culturais rígidos, que, embora estejam inseridos em contextos de um espaço físico e cronológico com características e peculiaridades inerentes ao mesmo, podendo ser assim semelhantes, diferem nas características mais básicas. A tentativa de estabelecimento de leis universais pela New Archaeology[9] não responderia a heterogeneidade das realidades humanas. No entanto os relatos etnográficos permitem abordagens de problemáticas em contextos específicos.
Toda essa discussão tem como cerne a tentativa de compreender os resultados dos procedimentos e produtos do comportamento humano, enfim, tentar reconhecer a cultura material em seu contexto.
As primeiras questões levantadas pelo arqueólogo ao encontrar um objeto arqueológico são: o que é isto? Para que foi usado?
Uma observação comumente aceita entre diversos pesquisadores como historiadores, geólogos, paleontólogos, e também arqueólogos, entre outros, coloca que o passado, embora nunca diretamente observável, é, contudo, conhecível.
Na atualidade, constata-se um crescimento do interesse em descobrir questões mais amplas quanto à dinâmica e ao funcionamento da cultura, principalmente uma inter-relação entre a construção simbólica e a materialidade das sociedades, bem como a lógica interna que possibilita a sobrevivência de certos modos culturais. Esse interesse é fruto de novas orientações que estão envolvendo a Arqueologia, principalmente a partir do debate proporcionado pelo pós-processualismo[10].
A cultura material não apenas existe. É feita por alguém. É produzida para fazer alguma coisa. Ela não reflete passivamente a sociedade, ela cria a sociedade através das ações dos indivíduos (...). Cada objeto arqueológico é produzido por um indivíduo (ou um grupo deles), não por um sistema social.[11]
Na verificação desses elementos, o Pós-processualismo desenvolve uma grande preocupação pelo contexto arqueológico, definido por I. Hodder como a totalidade de dimensões relevantes de variação ao redor de qualquer objeto, formando uma rica rede de associações e contrastes. Para ele, o contexto arqueológico deveria desprender-se com clareza dos limites de um conjunto de semelhanças, pois não constituem os limites de um conjunto de semelhanças, pois não constituem os limites do contexto, já que as diferenças entre unidades culturais podem ser relevantes para compreender o significado dos objetos de cada unidade cultural. [12]
Na história da pesquisa arqueológica, a utilização de dados etnográficos[13] sempre foi uma constante. Porém, novos estudos têm estimulado os arqueólogos a repensar suas análises tipológicas e as classes de objetos, na formulação de novas interpretações. Concentrando sua ênfase nos estudos dos aspectos simbólicos da experiência humana, ressaltam o papel ativo e transformador da cultura material nas sociedades estudadas, o que dá um caráter de diversidade interpretativa dos temas e objetos de pesquisa, bem como de referenciais teóricos. (Silva, F., 2000)
Na história da pesquisa arqueológica, a utilização de dados etnográficos[13] sempre foi uma constante. Porém, novos estudos têm estimulado os arqueólogos a repensar suas análises tipológicas e as classes de objetos, na formulação de novas interpretações. Concentrando sua ênfase nos estudos dos aspectos simbólicos da experiência humana, ressaltam o papel ativo e transformador da cultura material nas sociedades estudadas, o que dá um caráter de diversidade interpretativa dos temas e objetos de pesquisa, bem como de referenciais teóricos. (Silva, F., 2000)
Dados etnográficos orientados em termos de sítios podem ser úteis ao proporcionar possibilidades alternativas para a interpretação de artefatos e estruturas escavadas[14]
Seguindo esse pensamento, o presente trabalho se concentrou na leitura das obras etnográficas em busca de informações que possibilitem contribuir nos trabalhos arqueológicos.
Seguindo esse pensamento, o presente trabalho se concentrou na leitura das obras etnográficas em busca de informações que possibilitem contribuir nos trabalhos arqueológicos.
Referência Bibliografia
BARRIO, Angel-B. Espina. Manual de Antropologia Cultural. Recife: Editora Massangana, 2005.
BUNGE, Mario. Dicionário Filosófico. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.
CARDIM, Fernão. Tratados da Terra e Gente do Brasil. São Paulo: Editora Itatiaia, 1980.
CISNEIROS, Daniela. Práticas Funerárias na Pré-história do Nordeste do Brasil. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. Recife: Editora Universitária, 2003.
LÉRY, Jean de. Viagem à Terra do Brasil. São Paulo: Editora Itatiaia, 1980.
PALAZZO, Carmem Lícia. Entre mitos, utopias e razão: os olhares franceses sobre o Brasil (séculos XVI a XVIII). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.
POMPA, Cristina. Religião como Tradução: missionários, Tupi e Tapuia no Brasil Colonial. São Paulo: EDUSC, 2003.
RIBEIRO, Berta G.; VELTHEN, Lucia H. Van. Coleções Etnográficas: documentos materiais para a história indígena e a etnologia. P. 103/114. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. (org). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras: FAPESP, 1992.
SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos Históricos. São Paulo: Editora Contexto, 2005.
STADEN, Hans. A verdadeira história dos selvagens nus e ferozes devoradores de homens, encontrados no novo mundo, a América, e desconhecidos antes e depois do nascimento de Cristo na terra de Hessen, até os últimos dois anos passados, quando o próprio Hans Staden de Homberg, em Hessen, os conheceu, e agora os traz ao conhecimento do público por meio da impressão deste livro. Rio de Janeiro, Dantes Livraria Editora, 1998.
TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: A questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
BARRIO, Angel-B. Espina. Manual de Antropologia Cultural. Recife: Editora Massangana, 2005.
BUNGE, Mario. Dicionário Filosófico. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.
CARDIM, Fernão. Tratados da Terra e Gente do Brasil. São Paulo: Editora Itatiaia, 1980.
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LÉRY, Jean de. Viagem à Terra do Brasil. São Paulo: Editora Itatiaia, 1980.
PALAZZO, Carmem Lícia. Entre mitos, utopias e razão: os olhares franceses sobre o Brasil (séculos XVI a XVIII). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.
POMPA, Cristina. Religião como Tradução: missionários, Tupi e Tapuia no Brasil Colonial. São Paulo: EDUSC, 2003.
RIBEIRO, Berta G.; VELTHEN, Lucia H. Van. Coleções Etnográficas: documentos materiais para a história indígena e a etnologia. P. 103/114. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. (org). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras: FAPESP, 1992.
SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos Históricos. São Paulo: Editora Contexto, 2005.
STADEN, Hans. A verdadeira história dos selvagens nus e ferozes devoradores de homens, encontrados no novo mundo, a América, e desconhecidos antes e depois do nascimento de Cristo na terra de Hessen, até os últimos dois anos passados, quando o próprio Hans Staden de Homberg, em Hessen, os conheceu, e agora os traz ao conhecimento do público por meio da impressão deste livro. Rio de Janeiro, Dantes Livraria Editora, 1998.
TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: A questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
* Artigo realizado para obtenção da nota final da disciplina História Indígena para o Programa de Pós-graduação em Arqueologia e Preservação do Patrimônio/UFPE.
[1] Aluna do Programa de Pós-graduação em Arqueologia e Preservação do Patrimônio/UFPE e Professora de História da Rede Pública do Estado de Pernambuco.
[2] Aluna do Programa de Pós-graduação em Arqueologia e Preservação do Patrimônio/UFPE.
[3] TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: A Questão do Outro, 1999.
[4] Entende-se por antinomia como sendo um par de hipóteses mutuamente contraditórias, cada uma delas confirmada por um diferente corpo de conhecimento.
[5] O renascimento não é mais visto como uma ruptura com a Idade Média, nem é mais pensada como Idade das Trevas. O renascimento, assim, foi a expressão das novas concepções de mundo que começavam a aparecer entre os ascendentes burgueses urbanos.
[6] BARRIO, Angel-B. Espina. Manual de Antropologia Cultural. 2005.
[7] A etnografia é definida como a disciplina mais próxima dos dados empíricos e a primeira que praticaram os antropólogos culturais. Prepondera nela o enfoque descritivo e utiliza como técnica de coleta de dados o trabalho de campo, principalmente e as contribuições arqueológicas.
[8] O estudo da etnologia vai além da descrição e pretende comparar, analisar as constantes e variáveis que se dão entra as sociedades humanas, e estabelecer generalizações e reconstruções da história cultural.
[9] Na década de 1960 surge a New Archaeology, dentro das correntes processualistas, objetiva a interpretação dos vestígios materiais a fim de compreender as sociedades que os produziu.
[10] Efetivamente, todas as ciências fatuais estudam coisas mutáveis, e todas as tecnologias projetam alterações em coisas existentes ou até em coisas inteiramente novas. Em suma, o universo é de fato como um rio, embora não seja puro fluxo: o que “flui” incessantemente é o material de uma ou outra espécie – física, química, biológica, social ou técnica.
[11] HODDER, I. 1976, p. 154.
[12] HODDER, I. 1976, p. 154.
[13] A etnografia (escrever sobre os povos) é a disciplina mais próxima dos dados empíricos e a primeira que praticaram os antropólogos culturais. Prepondera nela o enfoque descritivo e utiliza como técnica de coleta de dados o trabalho de campo, principalmente, as contribuições arqueológicas. É a base de toda a antropologia cultural, pois proporciona os elementos sobre os quais vão trabalhar os demais teóricos
[14] MILLER JR, Tom. 1982.
[15] Define qualquer imagem registrada e as representações por trás da imagem. Como conceito, abarca desde desenhos, pinturas e esculturas, até fotografias, cinema, propaganda, outdoors; tanto a imagem fixa quanto a imagem em movimento. Há uma diferença entre iconografia e iconologia, sendo a primeira o conjunto de aspectos formais e estéticos de uma obra de arte e a iconologia a série de significados sociais e mentais apresentados por toda a obra.
[1] Aluna do Programa de Pós-graduação em Arqueologia e Preservação do Patrimônio/UFPE e Professora de História da Rede Pública do Estado de Pernambuco.
[2] Aluna do Programa de Pós-graduação em Arqueologia e Preservação do Patrimônio/UFPE.
[3] TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: A Questão do Outro, 1999.
[4] Entende-se por antinomia como sendo um par de hipóteses mutuamente contraditórias, cada uma delas confirmada por um diferente corpo de conhecimento.
[5] O renascimento não é mais visto como uma ruptura com a Idade Média, nem é mais pensada como Idade das Trevas. O renascimento, assim, foi a expressão das novas concepções de mundo que começavam a aparecer entre os ascendentes burgueses urbanos.
[6] BARRIO, Angel-B. Espina. Manual de Antropologia Cultural. 2005.
[7] A etnografia é definida como a disciplina mais próxima dos dados empíricos e a primeira que praticaram os antropólogos culturais. Prepondera nela o enfoque descritivo e utiliza como técnica de coleta de dados o trabalho de campo, principalmente e as contribuições arqueológicas.
[8] O estudo da etnologia vai além da descrição e pretende comparar, analisar as constantes e variáveis que se dão entra as sociedades humanas, e estabelecer generalizações e reconstruções da história cultural.
[9] Na década de 1960 surge a New Archaeology, dentro das correntes processualistas, objetiva a interpretação dos vestígios materiais a fim de compreender as sociedades que os produziu.
[10] Efetivamente, todas as ciências fatuais estudam coisas mutáveis, e todas as tecnologias projetam alterações em coisas existentes ou até em coisas inteiramente novas. Em suma, o universo é de fato como um rio, embora não seja puro fluxo: o que “flui” incessantemente é o material de uma ou outra espécie – física, química, biológica, social ou técnica.
[11] HODDER, I. 1976, p. 154.
[12] HODDER, I. 1976, p. 154.
[13] A etnografia (escrever sobre os povos) é a disciplina mais próxima dos dados empíricos e a primeira que praticaram os antropólogos culturais. Prepondera nela o enfoque descritivo e utiliza como técnica de coleta de dados o trabalho de campo, principalmente, as contribuições arqueológicas. É a base de toda a antropologia cultural, pois proporciona os elementos sobre os quais vão trabalhar os demais teóricos
[14] MILLER JR, Tom. 1982.
[15] Define qualquer imagem registrada e as representações por trás da imagem. Como conceito, abarca desde desenhos, pinturas e esculturas, até fotografias, cinema, propaganda, outdoors; tanto a imagem fixa quanto a imagem em movimento. Há uma diferença entre iconografia e iconologia, sendo a primeira o conjunto de aspectos formais e estéticos de uma obra de arte e a iconologia a série de significados sociais e mentais apresentados por toda a obra.
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